O crítico argentino Roberto Piglia diz que os contos se constroem em de duas histórias - uma aparente, e uma secreta. A surpresa narrativa é a chegada daquele segredo ao final da primeira história. Através dessa lente eu vi um mistério da biografia de Clarice Lispector, romancista e contista brasileira. Embora ela seja conhecida pelos seus romances e contos, ela era também tradutora.
Quando Clarice Lispector voltou ao Brasil depois de se separar do seu marido, e depois de uma estiada de sete anos nos Estados Unidos, ela encontrou-se na necessidade de fazer dinheiro com urgência.
Uns amigos dela sugeriram a ela que traduzisse livros. Com uma produção incrível, ela conseguiu traduzir em média entre 3 e 5 livros por ano. Tendo sido “esposa do Itamaraty'', ela teve a oportunidade de aprender várias línguas. Além do iídiche, a sua língua familiar e português, a sua língua dominante e cotidiana, ela falava inglês, francês e italiano. Há razões para crer que ela teria falado ou entendido alemão e espanhol além dessas outras.
Mas no meio das múltiplas traduções que ela realizou na última parte da sua vida, uma fica um mistério. Em uma tradução colaborativa com uma amiga, Tati de Moraes, primeira esposa do poeta famoso Vinicius de Morell, Clarice Lispector traduziu ao português uma peça do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. Essa tradução de Hedda Gabbler foi a quarta versão portuguesa realizada da peça, entre seis em total.
O mistério não é interessante se a pergunta for só como foi possível que ela traduziu uma peça de uma língua que ela não falava? Isso é de fato bem clariceano. Contudo o mistério é a ausência dessa história na sua biografia. Falo da biografia americana, aquela que tinha chamado tanta atenção ao autor à sua edição para todas as malas razões. Why this world? de B Moser. O livro foi muito criticado pela inexatidão, e alguns acadêmicos e pesquisadores clariceanos no Brasil ainda o acusaram de plágio.
Eu consultei esse livro para ver a história dessa tradução e como ela conseguiu realizá-la. Mas não tem! Há só uma referência à Tati de Moraes e quase nada da sua vida de tradutora. Na minha perspectiva, não consigo pronunciar uma opinião sobre as acusações, mas o que foi muito curioso lendo o livro é a ausência da Clarice a tradutora. Tati de Moraes era uma das amigas mais próximas na vida dela. A tradução era, por bastante tempo, a sua fonte de renda principal. Então, como foi possível afirmar ter as ferramentas apropriadas para contar a vida de Clarice sem falar dessas coisas cotidianas que formam a imagem completa dela?
É bem decepcionante. Eu espero ler uma biografia dela escrita com mais cuidado porque é uma figura literária que me fascina. Na verdade, foi pela fascinação que eu escolhi aprender o portugûes.
Teu texto ficou muito bom mesmo. Parabéns :)
Muito obrigado @Ward pelas correções!
O texto está ótimo! Parabéns! Só senti um pouco a ausência de vírgulas.
Cara, muito bom o texto. Também sou apaixonado pela Clarice.